Convite para ver.


Carolina Mansinho.

Foto: Cartier-Bresson


"Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração” disse certa vez Cartier-Bresson, um dos maiores nomes da fotografia do sec. XX, traduzindo numa frase muito do que signifique o fotografar.





Um olhar. Dura um instante, mas é capaz de transmitir coisas que páginas de texto não seriam capazes. Um pensamento não está apenas no discurso de alguém, na maneira de se portar, mas também numa visão. “Sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura” disse Fernando Pessoa na voz de Alberto Caeiro. Nossa concepção de mundo está também na forma que vemos e até onde vemos. Duas pessoas não olham para uma mesma paisagem e identificam a mesma coisa. Olhamos para algo e o encaramos da maneira que fomos educados a ver; interpretamos a imagem a partir de todo um contexto ao qual estivemos inseridos e acostumados. A foto de uma quimera não é simplesmente a imagem de uma flor; isso depende de quem vê. Ela pode ser uma novidade para aquele que desconhecia essa espécie, mas pode ser também o símbolo da infância de alguém que brincava em jardins cheios delas. Da mesma forma, a imagem de um mendigo no meio da praça pode ser tanto algo extremamente agressivo, como algo interessantemente revelador. Talvez esteja aqui a grande magia da fotografia: ela não é apenas o registro de uma imagem, mas captação do ponto de vista de alguém, da memória do ser humano.
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Desde a sua descoberta a fotografia se desenvolveu muito no que diz respeito a tecnologia e conseqüente facilidade no acesso de forma a tornar-se um dos meios mais populares de comunicação. Não se escrevem mais diários, nem se enviam cartas; agora, publicam-se álbuns em sites de relacionamentos, fotoblogs, etc. Porém, esse acesso irrestrito a uma máquina fotográfica não significa que multiplicaram-se os fotógrafos no mundo: “fotografar é saber ver” costuma dizer o fotógrafo Cristiano Mascaro. A visão é um sentido que como qualquer outro precisa ser treinado. E a câmera é um grande meio para apurá-lo. “A maioria das pessoas não olham. Elas apertam o botão [da máquina] e identificam [o que vão fotografar], mas procurar o sentido além imagem, poucos fazem. O que os olhos procuram? Essa é a pergunta.” Disse Cartier-Bresson, fotógrafo considerado o pai do fotojornalismo moderno. Bons olhos fazem do fotografar um meio de captação da história, eles percebem em cenas aparentemente simples uma mensagem que é capaz de sintetizar todo um período. Como a famosa capa da National Geographic onde mostra a foto de uma refugiada da guerra do Afeganistão ao tempo da guerra fria ou as fotos dos cara pintadas nas “Diretas já” aqui no Brasil.
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Estão sendo comemorados 170 anos do anúncio da descoberta da fotografia e é esse um bom momento para dar-se um convite a ver através de diferentes olhares e perceber como há tantos mundos distintos num mesmo lugar. São várias as exposições a serem assistidas, vários os livros a serem abertos e também a chance de parar e analisar qual é o seu próprio “ver”.


OLHARES



Eventos em São Paulo_SP

A FNAC, para comemorar seus 10 anos no Brasil, está lançando “Encontros com a fotografia”, conjunto de livro de entrevistas, livro de fotos e DVD de documentários com o que ela considera ser parte significativa da fotografia contemporânea brasileira. Ainda estará expondo fotos dos fotógrafos brasileiros Arnaldo Pappalardo na FNAC Morumbi (de 26/10 a 23/11); Leopoldo Plentz na FNAC Paulista (de 26/10 a 23/11) e Cristiano Mascaro (de 21/09 a 17/05/2010). Grátis

Onde SESC Santana
Ateliê SESC: Programação especial que oferece uma série de oficinas e cursos com o objetivo de apresentar ao público de todas as idades, atividades de iniciação ao universo das Artes Visuais; as técnicas, materiais e suportes, bem como o potencial expressivo e de linguagem. Em novembro: Processos fotográficos artesanais com Kenji Ota
Dia(s) 28/11, 29/11 Sábado e domingo, das 14h às 18h.
Vivência de técnicas artesanais de fotografia, que pouco mudaram desde o séc. XIX. O fotógrafo paulistano Kenji Ota consegue obter uma materialidade rara em seu processo de produção imagética. Experimentações com cianótipo, marrom van Dyck etc. Quiosque.Grátis


Onde: SESC Pompéia
De 17/11 a 10/12. Terças e quintas, das 19h às 21h30.
Oficina: Através da construção de cenários em miniatura, a oficina irá trabalhar sob o conceito de adaptação dos equipamentos domésticos de iluminação e fotografia digital no desenvolvimento de personagens e paisagens voltados para a criação de cenas ficcionais. Orientação: Letícia Ramos e Nino Cais. Duração: 8 encontros. Inscrições a partir do dia 3 de novembro. Grátis.


Onde: SESC Pompeia
Estudos so Olhar: Relatos de Trajetória – Alexandre Sequeira
Dia 21/11, Sábado, das 15h às 17h30.
A pesquisadora e crítica de fotografia Simonetta Persichetti entrevista o fotógrafo paraense Alexandre Sequeira sobre seus processos e procedimentos artísticos, coletivos e individuais. Grátis

Onde: SESC Pinheiros
Exposição: Henri Cartier-Bresson
Um dos mais importantes fotógrafos do século XX, Bresson buscava incessantemente momentos harmônicos. A exposição e demais atividades que integram a mostra, nos revelam frações mínimas de tempo em que forma e conteúdo atingem a máxima expressão no visor da câmera
Organizada por Eder Chiodetto, a mostra é composta por 133 fotografias pertencentes ao acervo da Agência Magnum, fundada por Cartier-Bresson em 1947. Em 45 anos de carreira, Cartier-Bresson criou um estilo único e tornou-se pai do fotojornalismo contemporâneo, ao lado de Robert Capa. Espaço de Exposições, Térreo e Sala de Oficinas, 2º andar
De 17/09 a 20/12, Terça a sexta, das 10h30 às 21h30.; sábados, domingos e feriados, das 10h30 às 18h30. .

Onde: SESC Pinheiros
Retratos Urbanos
Dia 06/11, Sexta, às 20h.
A fotografia e a cidade são os temas principais dessa conversa com o fotógrafo Cristiano Mascaro. 200 vagas. Acesso livre até o limite de vagas. Sala de Leitura, 2º andar.


Para Assistir:

Henri Cartier-Bresson. Documentário: L'amour tout court (2001) de Raphael O`Byrne.

Câmara Viajante. Documentário de Joe Pimentel.
O documentário registra o ofício de cinco fotógrafos populares - fotografia ambulante, lambe-lambe, retrato pintado, monóculo - que resistem à proliferação das câmeras digitais e continuam registrando as manifestações religiosas dos romeiros de Juazeiro do Norte e Canindé.

RECONSTRUCÇÃO

Carol Mansinho


Cai flores
Cai histórias
Cai fantasias

Dos escombros criados surgem novos ares
Pestes e desditas
A raiz germinado
um futuro já demolido

Cai pedras
Cai sombras
Cai pirulitos

A gritaria só não basta
Os urros estremecem
Desabo a mim marchando em queda livre

Cai portas
Cai janelas
Cai íntimas ilusões

Desesperar é uma forma de expectativa
Não mais frustrada
Não mais medida

Cai o chão
Cai a gravidade
Cai a queda

De tudo não há mais nada
E do vazio virá a matéria
Que encherá o coração

Cai fantasia
Cai a TV
Cai sensação

Desaba aquilo que se pretendia edificar
Ergue-se a mágoa;
Que fará chorar;
Que fará recomeçar.