Outreridade...

Gosto de pensar que sou outras pessoas
Fingir que as entendo
Seus amores, desejos, realizações...

Pensar em suas dores dói
E aí é mais difícil
Mas não menos intuitivo

Pensar ser os outros é melhor que sonhar
Há uma pontinha de real
E no fim, qual a diferença entre eles e eu?
Filhos do carbono e da aleatoriedade na comunhão dos átomos

Pensar ser coisas é igual, ou quase.
Esta porta à frente, tão... Porta.
Abre, fecha, tranca, ri, grita e até bate: é gente.
Mais gente que muitos da gente.

Se há uma consciência uno e infinita eu não sei, mas o universo pode ser muito bonito quando apreendemos seu olhar.

Haiti

Caetano Veloso e Gilberto Gil


Quando você for convidado pra subir no adro


Da fundação casa de Jorge Amado


Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos

Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque

Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária

Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pe, e se você não for

Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui


E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto

E nenhum no marginal

E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba

Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui






fonte: fotos 1 e 3 G1.com; foto 2 atarde.com

Resposta para Candinha


Cada alvo é um mar
Não é fácil errar, mas é bem difícil não se perder
Há tantas portas. Por onde entrar?
As ondas carregam a espuma macia e o sal
E é doce morrer no mar
Pode-se flutuar e ser engolido
E a vida é a própria morte
Mistério e entrega

Busca


Aquilo que busco está além de mim. Além da matéria. Além de quem sou
O que busco ainda está por vir e só poderá concretizar-se num vir a ser.
É algo que cresce como flor no meio do mato. Não se espera, não se sabe, é apenas cultivado por criação.
Quem dera meus desejos abarcarem a minha busca. Por vezes eles são empecilho.
Mas há algo além, há algo ainda. Há a busca, imanente e impredizível.

Círculo

Nada se cria, tudo se transforma.
Mas, no final tudo vira bosta.
Tudo está uma bosta.
Logo, tudo já se transformou.
Então está na hora de criar!!!

Canção Arrocha

Eric Barreto

O Sol radiou o ar sombrio
A luz penetrou o girassol

Em meio às águas e o mar, o arrepio
das mãos no canteiro central

Os sons dourando em vultos frios
E carros a passar vorazes

Sombras tortas
Sensações, vazios
Enchendo os corações cansados

E o céu revelou
Todo amor que passou
Na calada da noite
Já não dou Adeus
Mas algo parece ser saudade

Olhar... mais um.

Por Carol Mansinho.
Campo Grande, Salvador - Bahia.

Notaram que ando com preguiça de escrever, né?

Conto para ver

Eric Barreto

O Desconhecido ante a lâmina virgem


Olhava em meus olhos havia bastante tempo. Desconhecia aquele rosto inteiramente novo. De tempos em tempos, meses em meses, o encarava até perder a guia, para depois fazer uso da navalha, a qual era mantida em punho desde o início da acareação. Fio a fio o novo rosto ia tomando aparência mais jovial, fio a fio ia tornando-se vulgar, comum.


Os comentários seguintes eram habituais:


- Ficou legal assim! (Brigado)

- Paciente novo (Pois é…)

- Cinco anos mais jovem! (tenho cinco anos a mais ou a menos de vida?)

- Meu Deus, é você?! (Nããão, é Scheckter!)

- Outra pessoa! Outra pessoa! (…)


Este último... não... este último…


Olhar

Foto: por Carol Mansinho.

ESTAÇÃO DA LUZ, SÃO PAULO-SP, BRASIL
Quando for lá, não deixe de visitar a Pinacoteca do Estado, a Estação Pinacoteca e o Museu da Língua Portuguesa. São maravilhosos!

Misturaê, Festival de Verão

Marcelo Bispo

Desculpa a intromissão, mas é que essa chamada televisiva chamou minha atenção, então, tomei a liberdade de escrever algumas linhas.
Por esses tempos temos que erguer bandeiras e ser vistos fazendo qualquer coisa para alcançar a gloriosa existência humana, já que não basta ter só certidão de nascimento, como afirma outra chamada televisiva.

Eu sei que isso não tem nada a ver com a mistura de ritmos, tribos e cores que o Festival de Verão de Salvador fomenta, posso ressaltar também que grandes artistas já se apresentaram neste Festival e que já marquei presença em algumas edições deste evento.
O que percebo é que esta mistura se heterogeniza na diferença dos preços dos ingressos para diferentes locais dentro da festa: pista, camarotes, caaamatores, camaaaarotes e caaaamaaaroootes. Sendo assim, percebemos os diversos componentes da mistura. Solução verdadeira? Quem se lembra da química?!! Talvez a mistura seja heterogênea mesmo.
Não podemos esquecer que o carnaval é a maior festa popular do mundo, eu disse: popular, popular e nem me atreverei a analisar em um cromatógrafo os componentes desta manifestação obviamente popular.

No inicio de 2009, estive em São Paulo para o show de uma banda inglesa, havia ingressos de inteira e meia para pista, como dizemos por aqui, e o único camarote existente era para portadores de necessidades especiais com os mesmos preços da pista. Até então, tudo bem, mas com o decorrer do show notei que ao meu lado estava alguns artistas globais e até cantores de bandas daqui do Brasil que se apresentam no festival de verão. Então, algo aconteceu... o solo se fez sagrado e a minha existência se elevou.
Mas com tanta beleza pra se vê, quem vai se importar? Afinal, vivemos os tempos dos currais.

Corrupção crônica (nota)

Crítica, após crítica, já se tornou um verdadeiro jargão a frase "todo político é corrupto" ou "todos eles são iguais" tamanha é a freqüência do seu uso. Se elas expressam uma verdade eu não sei, porém que ela reflete uma triste realidade brasileira, isso com certeza. É a realidade da justificativa, da busca da causa dos problemas brasileiros nos outros e nunca em si. O brasileiro ainda não assimilou a elementar noção de representatividade política em que o político tem como função primeira defender os interesses de seus eleitores e da sociedade. Assim, no seu eterno pensamento hierárquico - às avessas, diga-se- não consegue enxergar que é de sua responsabilidade também o que acontece no Planalto Central.

É uma posição um tanto cômoda a que nós, ditos cidadãos, adotamos. Não nos enxergamos nos nossos governantes, dessa forma os seus erros não são nossos. Há de mudar-se isso. Temos que, de uma vez por todas, encarar nossa realidade e entender que se "todos são corruptos" é porque nós assim os deixamos. Caso contrário, comecemos por nos incluir nesse "todos", e entremos no bolo da corrupção como cúmplices, já que assistimos totalmente inertes aos atos mais que deploráveis dos nossos políticos.

O Arruda foi preso e eu lamento. Não pela prisão, mas pela constatação de onde nós chegamos. E o pior é por enquanto nada me diz que isso aqui vá melhorar.